Artigo

A máscara do Arquiteto

Por Joel Campolina*

“No caso da história da produção arquitetônica, toda a sorte de violências foi sempre legitimada em nome de pseudo-verdades: os Deuses, o Belo, a Razão, etc… Hoje o elenco se vê acrescido de mais um: o custo final da produção” (Paulo Bicca)

Lembro-me da indignação que sentia ao ler em textos como este acima, apologias em direção à não-arquitetura e à obsolescência do profissional arquiteto na sociedade contemporânea, principalmente em países subdesenvolvidos, como é o nosso caso.

Não acreditava e não acredito nesse tipo de ótica fatalista.

Entretanto, concordo que, nesse início de milênio, novas verdades e novas tecnologias estão a tornar ineficazes modos estratificados de fazer arquitetura.

Que tal relativizar a importância das tais pseudo-arquiteturas massificadas, em sua maioria inexpressivas ou pretensiosamente eloqüentes, que são impostas como exemplos predominantes da ação dos arquitetos na paisagem das grandes cidades?

Que tal não eleger como culpados setores externos correlatos, como a engenharia construtiva ou os empreendedores imobiliários?

Que tal não atrelar nossos fracassos às distorções de um mercado consumidor sub-potenciado e que desconhece arquitetura como mais-valia?

Talvez uma reflexão mais consistente, um olhar mais crítico para o próprio umbigo além de atitudes radicais, sejam mais convergentes com o objetivo de todos nós: sermos profissionalmente bem sucedidos, logo economicamente independentes?

A formação adequada do Arquiteto, a divulgação inteligente do seu trabalho e a caracterização mais nítida das suas atribuições e responsabilidades, são temas fundamentais a serem analisados como um todo, diante das opções de uma nova sociedade.

Podemos ser otimistas quando olhamos para contribuições marcantes da arquitetura contemporânea brasileira, prestigiadas no difícil âmbito internacional, presentes no dia a dia das nossas cidades.

Podemos acreditar em mudanças quando relembramos colegas profissionalmente exemplares, que idealizaram e nos deixaram consolidados e transcendentes ao seu próprio tempo: instituições, formas e espaços edificados.

Em Belo Horizonte, onde nasci, vivo e trabalho, podemos ver o conjunto da Pampulha, dos anos quarenta, safra primeira do genial Niemeyer, com a sua pequena ”Igrejinha” que ainda emociona gente de raças e geografias mais diversas.

A fundação da nossa primeira Escola superior de Arquitetura, a Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais – EAUFMG, em agosto de 1930, onde estudei e fiz parte como docente.

A instalação IAB-MG, do Instituto de Arquitetos do Brasil, seção MG, em outubro de 1943, tendo Luiz Pinto Coelho como seu primeiro Presidente, do qual participo como associado e já atuei como diretor.

Estes são três marcos referenciais que muito influenciaram e influenciam no que vem a ser a profissão de Arquiteto por aqui.

Peço licença para concentrar-me na imagem pública da profissão do Arquiteto.

É onde encontro mais lacunas e onde estão os principais reflexos da nossa própria negligência.

Salvo as honrosas exceções de praxe, o que se verifica é o empobrecimento geral da classe dos Arquitetos.

As novas gerações de Arquitetos encontram referenciais distorcidos ao se espelharem em profissionais mais maduros que resistem bravamente nas fronteiras um tanto frágeis dos seus empregos ou escritórios próprios.

Vemos muitos Arquitetos de renome, amplamente reconhecidos, prestigiados pela mídia e pelos holofotes, ainda lutando duramente pela simples sobrevivência, num cenário incerto.

Para que servem, realmente, uma qualificação profissional-acadêmica de alto nível ou as dezenas de anos de trabalho, as múltiplas obras significativas realizadas e as muitas premiações e homenagens recebidas?

Tudo é desconsiderado, por exemplo, nas concorrências de menor preço ou na dificuldade constante de justificar presença nos canteiros-de-obra para a fiscalização efetiva da execução correta do que foi projetado.

O fato gerador principal da arquitetura, que é a configuração de uma da idéia básica inicial (antecedente aos estudos preliminares ou anteprojetos, como queiram), é constantemente ofertado gratuitamente pelos próprios arquitetos, eliminando, conseqüentemente, a sua mais-valia como produto de trabalho profissional.

Pior ainda, a elaboração de ”estudos de graça” para órgãos públicos e afins parece conferir”status”, ou seja: é preciso ser famoso para doar um projeto ao governo????

Enquanto isso, centenas de jovens arquitetos engrossam anualmente um mercado contaminado por essas e outras atitudes.

Hoje em dia, por exemplo, já são naturais os convites para estudos arquitetônicos de risco destinados a empreendimentos imobiliários altamente rentáveis, nos quais, paradoxalmente, a arquitetura viabiliza o negócio e é o principal fator gerador dos lucros.

Os arquitetos, quando são contratados, geralmente recebem remuneração ridícula e por isso, num círculo vicioso, muitas vezes se vêm sem condições de produzir resultados mais aprimorados em termos de detalhamento e especificações técnicas.

Nesse cenário, profissionais recém-formados, lado a lado com veteranos como a gente, se iludem ou são iludidos e seguem como tripulantes de um mesmo barco furado.

O ”jeitinho brasileiro”, improvisações e equívocos, se repetem perigosamente.

E necessário e urgente que a profissão se redefina perante a sociedade em geral e a indústria da construção civil em particular.

Nesse sentido, espera-se dos dirigentes dos órgãos mais representativos da classe, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), encontrarem os meios para uma ação objetiva.

Não se pode (e não se deve) desdenhar dos fatos.

Talvez seja possível estabelecer critérios e normas éticas reconhecidamente válidas, que delimitem com precisão e dignifiquem a tal etapa ”gratuita” do trabalho dos arquitetos (?).

Até quando continuaremos estagnados em nossas vãs filosofias, deitados em berço esplêndido?

A realidade é outra, mas vejam a lista de ações prioritárias de uma década atrás, da American Institute of Architects – AIA, segundo seu presidente na época, o arquiteto Chester Widom:

  • Uma maior colaboração com a indústria da construção civil.
  • Participação ativa na definição de uma política de preços/ responsabilidades para a contratação de serviços de arquitetura pelos órgãos públicos.
  • Fortalecimento da participação representativa do AIA, no controle do exercício da profissão no País.
  • Campanha publicitária dirigida à sociedade, visando valorizar o exercício da profissão de arquiteto.
  • Incremento nos meios internos de comunicação com seus associados.

Ainda é do mesmo livro do Paulo Bicca, meu epílogo:

“A idéia do possível e necessário desaparecimento da profissão é algo do qual o arquiteto se afasta (como o diabo da cruz). A existência eterna da profissão é dogma do qual o arquiteto não abre mão.”

Ou não poderia????

*Joel Campolina é presidente do CAU/MG

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