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O que diria Atílio se pudesse presenciar o que estão fazendo com Goiânia?

A mais nova operação urbana proposta pela Prefeitura de Goiânia, através do Instituto Cidades, deveria nos fazer refletir sobre o futuro que está sendo construído para nossa cidade. Após ter elaborado um relatório sobre a situação dos sete maiores e mais visitados parques da capital, trabalho realizado no Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás, e ter constatado inúmeros os problemas existentes neles e em seu entorno, acredito que precisamos repensar o modelo de projeto urbano que estamos cegamente repetindo ano a ano em nossa cidade.

O plano original elaborado por Atílio Correa Lima para Goiânia apresentava um sistema de áreas verdes interligadas que deveria garantir a preservação dos fundos de vale da cidade, manter o equilíbrio ambiental urbano incluindo a plena captação do intenso volume das águas pluviais no verão e amenizar o clima quente e seco que vivenciamos durante o nosso inverno do cerrado.

Mas o que diria Atílio se pudesse ver o que aconteceu com esse sistema de áreas verdes ao longo dos últimos oitenta anos?

Grande parte dessas áreas foram desmatadas para abertura de novos loteamentos, outras invadidas e agora, nos últimos anos, momento em que o verde está tão escasso e valioso em nossa cidade, o que restou desse sistema têm sido alvo de projetos devastadores para a cidade.

A criação de parques urbanos é, indiscutivelmente uma atitude positiva para a cidade e traz inúmeros benefícios à qualidade de vida dos cidadãos, além de enriquecer a paisagem e apoiar a sobrevivência da fauna urbana.

Mas será que a criação destes parques urbanos nos últimos anos é apenas uma atitude politicamente correta dos nossos administradores municipais?

Parece que existem outros fatores envolvidos, se observarmos mais de perto, o que aconteceu com os últimos parques implementados na cidade como o Flamboyant, o Goiânia 2 e o Cascavel. Nestes três casos fica evidente que a criação dos novos espaços verdes e urbanizados da cidade nada mais são do que o ponto de partida para o leilão intenso das áreas lindeiras para a construção de altos e caros edifícios.

Agora o novo alvo da administração pública, construtores e incorporadores da cidade é o Jardim Botânico. Antes mesmo dos técnicos municipais iniciarem o projeto da operação urbana e o colocarem em discussão com a sociedade, os terrenos no entorno do parque já estão negociados e alguns já apresentam as casas originais demolidas. Nos panfletos de lançamento dos edifícios da próspera região o parque já é realidade. Afinal, quem não quer uma varanda para o parque?

Mas, já que parece inútil tentar impedir o “desenvolvimento” que se aproxima, será possível elaborar um projeto urbano de qualidade para a região do Jardim Botânico? E tenar manter a população local inserida nele? Seria pertinente relembrar algumas antigas ideias que poderiam nos ser úteis agora?

Ao criarmos um parque é preciso, além do projeto paisagístico e arquitetônico do empreendimento, definir uma área de amortecimento em seu entorno para evitar que as atividades urbanas de grande impacto se aproximem das áreas a serem preservadas. Esta faixa pode deve conter alguns diferenciais:

  1. Exigência de áreas permeáveis mais generosas nos lotes para aumentar a percolação das águas de chuvas e diminuir o escoamento superficial dos grandes volumes encaminhados aos fundos de vale;

  2. Altura das edificações reduzida visando a permanência de insolação nas áreas verdes. A luz solar direta é indispensável à boa saúde das espécies vegetais;

  3. Controle do escalonamento das alturas das edificações em relação a sua distância do parque. As edificações mais distantes podem ter alturas maiores e as mais próximas devem manter alturas controladas para proporcionar a vista ao maior número de moradores;

  4. Adoção de projetos com pilotis livre nas edificações situadas na faixa imediata ao parque permitindo que a visão da área verde se estenda o máximo possível.

  5. Reserva de áreas na faixa imediata ao parque para construção de espaços de uso público. Essas faixas poderiam ser ocupadas com equipamentos públicos, bares, restaurantes e pequenos comércios e o uso do carro poderia ser restrito ou controlado no local.

  6. Aplicação dos recursos proveniente da outorga onerosa na construção de projetos estruturais de mobilidade para a região considerando o impacto causado pelo aumento de moradores e usuários da região.

  7. Obtenção de áreas para implementação de projetos habitacionais destinando espaço para a população de baixa renda no tecido urbano existente e servido de infraestrutura.

  8. Integração do projeto do parque ao projeto urbano da região e da cidade como um todo. Os projetos dos parques Goianos são ricos e foram elaborados por profissionais qualificados, mas não existem projetos urbanos para suas regiões que incluam itens arborização, paisagem urbana e mobilidade entre outros.

E então, se tudo isso é ciência de conhecimento dos arquitetos, experimentada em soluções espalhadas pelo mundo todo, algumas aqui bem perto como Brasília, vamos continuar repetindo o mesmo tipo de projeto urbano já realizado em nossa capital e com graves problemas já constatados?

E se sabemos que, na prática, não cabe aos técnicos a decisão sobre o rumo da cidade, será que não é obrigação do poder público pensar e construir uma cidade melhor do que a que se apresenta hoje? Essas são diretrizes do nosso Plano Diretor e do Estatuto das Cidades. Ou será que os interesses econômicos serão sempre mais fortes em nossa capital? E nós pagaremos sempre o preço das decisões políticas impensadas. Somos mais de mil arquitetos em Goiânia… e mais de um milhão de cidadãos… que com certeza precisam discutir a cidade que querem para o futuro… O que diria Atílio?

Isabel Barêa Pastore é Arquiteta e Urbanista e Professora  de Planejamento Urbano da PUC Goiás

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