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Opinião: Parque da cidade-mercadoria

*Maria Ester de Souza

A prefeitura e os empresários envolvidos com a implantação do Parque do Cerrado, no bairro Parque Lozandes, vêm divulgando por diversas mídias, como outdoors, rádio e jornais impressos, sobre o workshop que, segundo eles, servirá para criar um projeto arquitetônico para a unidade. Sob o slogan “um parque muda tudo”, fazem um insistente convite para que a população participe da elaboração do projeto. Mas quem é essa população? A quem a prefeitura está atendendo?

Salta aos olhos que o público-alvo do workshop e do futuro Parque do Cerrado são pessoas que não habitam a região. São potenciais clientes, a serem conquistados por mais essa estratégia de marketing, para adquirir unidades habitacionais do entorno do espaço verde. O “valor de troca” em detrimento do “valor de uso” do ambiente urbano é teoria do filósofo Henry Lefebvre, que descreve muito bem o fenômeno da liberalização do capital nas esferas públicas da administração, que transforma o espaço em mercadoria. Assim, o que deveria ser ambiente de socialização de valores humanos – relacionar-se com os vizinhos ou passear no parque, por exemplo – se torna lugar de disputa, segrega as populações e, no caso de Goiânia, acentua as diferenças. O espaço urbano como mercadoria transforma a cidade em um local só para os que podem comprá-la.

O terreno do futuro parque localiza-se na região sudeste de Goiânia, entre a BR-153 e o condomínio do Alphaville Flamboyant. Ao norte, limita-se pelo próprio condomínio Alphaville, o edifício do Ministério Público Federal e outras instituições. Ao sul, pela rodovia GO-020 e o Centro Cultural Oscar Niemeyer. Pelo oeste, ao transpor o Paço Municipal e a BR-153, estão os bairros Jardim Goiás e Alto da Glória, que complementam o entorno da área destinada ao Parque do Cerrado.

Não parece razoável supor que a população dessa região teria interesse em participar da elaboração do novo espaço público. Quem sabe se interessaria a população do Conjunto Água Branca, Conjunto Riviera, Jardim Brasil, Conjuntos Aruanã ou mesmo do Residencial Clea Borges, situado a três quilômetros do local. Será? Pois, para acessarem o parque, elas terão que circundar os muros dos condomínios em todo o seu perímetro. Se formos considerar os habitantes do Parque das Laranjeiras, Conjunto Fabiana, Jardim da Luz e outros tantos da parte sudeste, devemos já de antemão solicitar uma passarela de pedestres para transpor a GO-080. Isso porque a finalidade de um parque deve ser, em primeiro lugar, atender à população local.

Além disso, na apresentação feita pelo arquiteto gaúcho em um dos workshops já realizados, não havia nenhuma proposta de projeto inicial ou partido arquitetônico que norteasse o entendimento sobre o que deverá ser o espaço. Uma planta de levantamento topográfico fixada na parede indicava uma gleba de 710 mil metros quadrados, denominada Parque Municipal. Contígua a essa área (ou seja, sem separação por ruas) estava demarcada a área do Paço e uma “área particular” de propriedade da Euroamérica Incorporações, empresa financiadora do workshop. Não há compatibilização com projeto de mobilidade, estudo de viabilidade de abastecimento de água, preocupação com a preservação de nascentes. A planta sequer indicava as nascentes existentes no local.

Louvamos que a sociedade seja conclamada a pensar sobre seus espaços públicos. Mas discordamos que o planejamento do ambiente urbano esteja ditado pelo investidor, e não pela demanda da população.

*Maria Ester de Souza é vice-presidente do CAU/GO

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