As cidades brasileiras e seus citadinos passaram a contar recentemente com um importante instrumento legal que possibilita a qualificação da arquitetura e das paisagens urbanas: trata-se da Lei Federal nº 12378/2010 que cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU e regulamenta a profissão de Arquiteto e Urbanista, antes inseridos noutro Conselho de Engenharia e Agronomia e outras mais de trezentas profissões da área tecnológica, o Confea-Crea.
Num contexto circunstancial de profunda crise ambiental onde os ambientes urbanos assumem destaque no volume dos problemas relacionados, ao mesmo tempo em que a matéria urbanística no Brasil não tem tido o tratamento político na importância merecida, talvez pelas próprias características culturais de um país tradicionalmente rural, O CAU surge com uma extraordinária oportunidade de reverter um atraso cultural urbano de mais de meio milênio.
O quadro ganha ainda mais complexidade quando se observar as populações urbanas ultrapassando 80% das ocupações territoriais, carentes de políticas urbanas eficientes e que refletidas na fragilidade institucional dos municípios determina um crescente prejuízo não somente às paisagens urbanas como também à qualidade de vida destas populações: ocupações irregulares em áreas de preservação como fundo de vales, morros e encostas; adensamento intensivo em contraposição com os vazios urbanos à mercê da especulação imobiliária; patrimônio cultural arquitetônico desprotegido e em processo de destruição ou descaracterização; esgotamento e contaminação dos recursos hídricos comprometendo os sistemas de abastecimento público; assim como o esgotamento dos recursos naturais disponíveis são apenas algumas das consequências ou mostra do tamanho do problema aqui evidenciado.
Já implantados e com uma agenda propositiva e extensa, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo dá mostra de possíveis cenários futuros mais otimistas em relação as nossas cidades. Outros instrumentos também recentemente conquistados pela sociedade corroboram para aquela agenda como o estatuto das cidades que determina, por exemplo, a obrigatoriedade de realização e permanente revisão de planos diretores em municípios estratégicos como os inseridos em regiões metropolitanas, os que possuem acima de 20 mil habitantes e os que possuem importância em aspectos históricos, turísticos e ambientais; a criação do Ministério das Cidades e a busca do discernimento da problemática urbana em outras pastas institucionais, assim como as promulgações da Lei de assistência técnica que possibilita melhor qualificar habitações de interesse social e da Lei de resíduos sólidos corroboram para este quadro mais otimista que poderá ser antecipado se os profissionais da área urbanística, capitaneada pelos arquitetos e urbanistas, conseguirem conduzir um desejável processo de discussão e articulação com os entes governamentais e demais segmentos sociais.
Não menos importante e com um necessário suporte nos setores de comunicação, estes profissionais terão que também desenvolver ações diversas junto à sociedade que busquem a valorização da profissão e que os favoreçam alcançar um merecido papel de importância no processo de produção e planejamento das cidades. Estudos nos dão conta, por exemplo, que até a última década menos de 70% das edificações produzidas no Brasil contavam com a participação técnica de profissionais habilitados para tal. Na produção do espaço urbano do país a ausência do profissional também é notada ao observar, por exemplo, que mesmo apresentando um contingente de mais de 120 mil profissionais no mercado – a grande maioria concentrada nas capitais e metrópoles – dos 5561 municípios brasileiros, apenas 14,5% deles conta com seu plano diretor.
Políticas e gestões urbanas eficientes não podem acontecer sem o envolvimento desses profissionais e sem articulação dos setores e agentes que constroem e organizam os territórios e suas paisagens. Com a possibilidade e missão de aglutinar tais forças, o CAU sem precisar dos mesmos instrumentos que construíram a Revolução Francesa a mais de dois séculos atrás, fundamental para o processo da revolução industrial e urbana na Europa, poderá contribuir para que o Brasil não apenas continue a crescer sua economia, mas também passe a cogitar sua própria revolução urbana calcada numa sólida e autêntica cultura urbana.
John Silveira
Presidente CAU/GO