Representantes do CAU/GO publicam artigos regularmente em diversos veículos do Estado. No mais recente número da revista Phocus (ed. 20), o conselheiro Fernando Camargo Chapadeiro, mestre em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB), escreveu sobre os projetos de mobilidade para Goiânia.
Nele, questiona a imposição da cultura do automóvel sobre a paisagem urbana, mesmo quando da implantação de corredores de transporte coletivo. E lembra que a Lei da Mobilidade Urbana (12.587/12) determina: o transporte coletivo e os modos não motorizados devem ser priorizados sobre o individual motorizado.
Leia o texto abaixo:
Mobilidade para todos
Em Goiânia, ainda que os corredores de ônibus apresentem uma solução para o sistema de transporte na capital, sua implantação parcial ou de má qualidade impede que a sociedade perceba seus benefícios
Fernando Camargo Chapadeiro
A política econômica de fortalecimento da indústria automobilística e a carência de um transporte coletivo eficiente, aliadas ao desejo dos brasileiros de possuírem um automóvel, transformaram a mobilidade urbana em uma questão determinante da vida na cidade. Para o senso comum, ao que tudo indica, o carro particular tornou-se um “mal necessário”. Porém, grande parte dos municípios brasileiros apresenta uma depreciação da qualidade de vida, ainda que 80% da população do país viva hoje no meio urbano. É o que testemunhamos diante dos congestionamentos, acidentes de trânsito, degradação das condições ambientais e desperdício de tempo e dinheiro que todos esses problemas representam.
Goiânia não foge à regra. Na Região Metropolitana da capital, a enorme relevância desses impactos requer que o modelo atual de transporte e circulação seja revisto com urgência. Para garantir acesso amplo e democrático ao espaço urbano, é preciso haver opções de escolha dos modos de transporte, somado a maior eficiência do sistema como um todo.
Aprovada em 2012, a Lei da Mobilidade Urbana (12.587/12) estabelece que o modo de transporte coletivo e os não motorizados (pedestres e bicicletas) sejam priorizados sobre o individual motorizado, e que os deslocamentos sejam pensados de forma abrangente. Trata-se de uma importante ação para superar a crise da mobilidade urbana. Nesse sentido, a Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC) informa que está implantando 102 quilômetros de vias preferenciais destinadas à circulação de ônibus na capital, chegando ao total de 14 corredores.
Com as faixas preferenciais, chamadas de Bus Rapid System (BRS), os ônibus podem alcançar uma velocidade operacional de 20km/h, em média. Consequentemente, os usuários chegam mais rapidamente a seu destino. Caso sejam bem planejadas e operadas, podem atender de 15 mil a 20 mil passageiros por hora, por sentido. Além disso, na comparação com outros sistemas, os corredores possuem baixo custo, podem ser implantados em um prazo relativamente curto e não demandam uma renovação da frota. Normalmente, tampouco há desapropriações ou grandes intervenções urbanas.
Diante dessa ação, um dos conflitos gerados está relacionado aos condutores dos veículos particulares. Como não há espaço físico para a abertura de novas vias, acaba havendo menos faixas para a circulação de carros. É uma medida muito desafiadora para o poder público, que deve dedicar esforços para modificar o comportamento da população e sua cultura do automóvel. Diante dela, vários gestores se omitem de enfrentar o problema e dão soluções paliativas, continuando a buscar fluidez para o tráfego de automóveis por meio de obras viárias.
Foi o que aconteceu na avenida 85, quando, na implantação ainda parcial do corredor preferencial, se retirou uma parte do canteiro central com a finalidade de abrir mais espaço para os veículos de passeio. Com ele, se foram também as palmeiras imperiais, junto a seu relevante papel na paisagem urbana.
No corredor da avenida Universitária, inaugurado em junho de 2012, outros problemas podem ser verificados, como patologias nos pavimentos e serviços ainda por concluir. Percebe-se, assim, o pouco rigor na execução das obras, a frágil compatibilização dos projetos (se é que foi realizada) e o possível desrespeito a suas especificações.
Entretanto, é imprescindível que os projetos e suas fases de implantação sejam obedecidos à risca, a fim de que os usuários do transporte coletivo e demais cidadãos possam de fato identificar a melhora na prestação do serviço. Caso contrário, as ações serão inócuas e passarão por descrédito de toda população.
Com vontade, educação, planejamento e organização é possível redemocratizar o espaço urbano, dando prioridade aos modos coletivos de transporte e aos usuários mais frágeis como pedestres, deficientes e ciclistas. Essa nova mobilidade deve ser pensada como sendo mais humana e segura, além de menos nociva ao meio ambiente.
A integração das políticas de transporte com diversas outras, como a de uso e ocupação do solo, afeta diretamente a interação dos diversos modos de transporte, bem como a escolha deles. Porém, mais importante é a escolha da cidade que se deseja habitar no futuro próximo. Essa escolha não pode ser feita sem levar em conta os modos de transporte a serem implantados e priorizados pela comunidade.
Além disso, para cidades mais igualitárias, é necessário que uma parcela significativa da população participe das discussões. Em qualquer planejamento, é importante o consenso sobre as metas e objetivos para se obter o avanço desejado. De outro modo, a sociedade não se adapta às mudanças e não as respeita. Dessa maneira, envolvê-la no planejamento é o primeiro passo para sua implementação.