Senso, segundo alguns bons dicionários, pode ser entendido como juízo claro, ou a capacidade de sentir e pensar. Contrassenso é, então, entendido como um absurdo, disparate. E é isso que tem acontecido quando se trata de mobilidade e planejamento urbano aqui na capital. Aumento da passagem de ônibus e grandes obras viárias, leia-se viadutos, são o que o senso comum dos gestores dão como solução dos problemas. Olha só o disparate! Quando aumentamos o preço da passagem de ônibus começa a ser melhor, em alguns casos até financeiramente, optar por um meio de locomoção individual. Quando essa opção é feita mais e mais obras de viadutos são necessárias, gastando milhões que poderiam ser investidos em um transporte público de qualidade e acessível à toda população.
A falta da capacidade de sentir e pensar não para por aí. As grandes obras feitas para melhorar a mobilidade ignoram totalmente as recentes pesquisas sobre o tema. Uma pesquisa feita em 2011, Retratos da sociedade Brasileira: Locomoção Urbana (CNI/IBOPE) demonstra que, nas grandes cidades brasileiras, 32% da população se locomove a pé ou de bicicleta, 34% de ônibus, 23% de carro ou moto. Segundo a arquiteta e professora da UFG Érica Kneib, doutora em transportes, a percentagem de pessoas que usa carro e moto em Goiânia é um pouco maior, 36%, de transporte coletivo cai para 30%, a pé e de bicicleta a proporção se mantém a mesma da pesquisa nacional, 32%. Apesar dessa informação, o que vemos nos viadutos prontos, ou quase prontos, são placas que proíbem o trânsito de bicicleta e nota-se, também, pouquíssima preocupação de como a população vai passar por ali a pé.
Há cerca de um mês, indo ao Campus Samambaia de bicicleta constatei outro absurdo. As obras para a construção do viaduto no entroncamento da av. Perimetral Norte com a rodovia GO-080 estão em ritmo acelerado. Foram feitas obras para desviar o trânsito de automóveis, caminhões e ônibus. Essas obras ocuparam inclusive o pequeno acostamento que havia anteriormente e era usado por ciclistas e pedestres na região, de modo que ficou impossível atravessar o Ribeirão João Leite pela GO-080, que é a única opção na região. Por ser a única alternativa, o espaço para o veículo também ficou insuficiente. Prova disso são os recentes acidentes ocorridos no local depois do início da obra.
A ciclovia da avenida T-63, que na travessia do córrego Cascavel acaba na mureta, traz à tona a necessidade de que os projetos de mobilidade têm que trazer resposta a todos os meios de locomoção. Fato: 32% da população estão excluídos desses projetos e não lhes resta outra opção a não ser lotar os ônibus ou ficar com o carro parado nos congestionamentos.
Outro fato: seria uma opção pegar um taxi? Tente fazer isso em Goiânia. Depois me conte. Trânsito congestionado, frota três vezes menor que a necessária e um sistema obscuro de permissões e aluguéis de permissões fazem com que o serviço não tenha qualidade.
Seria, então, juízo claro ou um absurdo pensar que tirar um pouco do espaço do automóvel para dar qualidade a outros meios de locomoção é a solução dos próprios congestionamentos. Algumas cidades na Europa já adotaram essa premissa e restringem o espaço do automóvel divindo-o com ciclovias e faixas exclusivas para o transporte coletivo. A Lei de Mobilidade Urbana (12.587/12) já coloca como prioridade os modos não motorizados e do transporte público coletivo, mas infelizmente não é o que se vê concretizando nos projetos urbanos da capital. Contrassenso! E ainda nem começamos a falar da venda de áreas públicas…
Edinardo Lucas é Arquiteto e Urbanista, professor (PUC), mestrando (UFG) e diretor do Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
Artigo publicado no Jornal O Hoje em 17.06.2014