Depois de quase dois anos, a pandemia escancarou a crise econômica no país. O cenário provocou forte desemprego, perda substancial da renda, crescimento da miséria e, consequentemente, o aumento exponencial de novas ocupações e do número de pessoas que foram empurradas para as ruas.
Na Grande Goiânia, mais de duas mil pessoas passaram a morar em ocupações durante a pandemia. A população em situação de rua cresceu 33%, entre março e agosto de 2021. Em sua maioria, são famílias que foram removidas ou despejadas por não terem condições de pagar aluguel. Acredita-se que o número atual seja bem maior. Sem Censo e sem dados públicos atualizados, estamos sem noção da realidade.
Nesse período, assistimos à revisão do Plano Diretor, em um processo que revelou o projeto para os próximos 10 anos da cidade de Goiânia: a manutenção de uma capital desigual, excludente e com antigos problemas na mobilidade e meio ambiente.
Não foram poucas as reuniões dos grupos de trabalho e a sociedade. Mas faltou compromisso, atenção e transparência, tanto da parte da Prefeitura quanto da Câmara, sobre o que de fato estava sendo debatido. Faltaram leis e emendas referenciadas em mapas, como também faltaram mapas legíveis e a devida publicidade dos documentos em tempo hábil para diagnóstico. Faltou apresentação formal à população do conteúdo do texto proposto e votado. E, principalmente, faltou ouvir a população dos bairros, incluindo os grupos que, historicamente, são excluídos, silenciados e negligenciados do debate e do planejamento da cidade: as ocupações e periferias.
Goiânia tem no momento ao menos sete ocupações, a maioria periférica, alvos constantes de ameaças e despejos violentos. Como a Ocupação Estrela Dalva, objeto de dois despejos, sem ordem administrativa ou judicial. A ação contrariou a ADPF 828, que suspendeu a desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público durante a pandemia.
Ao mesmo tempo, a capital possui 110 mil imóveis sem edificações ou subutilizados, o que corresponde a 26% do território urbano. Além disso, mais de 80% das suas áreas públicas municipais estão vazias, sem uso, segundo levantamento deste jornal. Essas áreas poderiam ser destinadas para moradias populares, que historicamente são implantadas nos extremos da cidade.
Invisibilizados no Plano, sem renda, ocupando áreas de risco, sem infraestrutura básica, e sob ameaça constante, a população das ocupações vive em total insegurança social. Para piorar, enfrenta dificuldade em acessar políticas públicas de transferência de renda, que exigem em sua maioria residência fixa e comprovantes.
A cidade que tem sido desenhada oculta a cidade real, em plena crise sanitária e habitacional. A suspensão dos despejos pela ADPF 828 foi prorrogada até o fim de junho, mas a pergunta permanece: até quando as famílias poderão contar com essa decisão? Moradia é direito de todas as pessoas.
É necessário construir uma ampla articulação popular, para enfrentar os atuais e futuros desafios da capital. Mas, sobretudo, as políticas públicas precisam mirar na superação das desigualdades e universalizar o acesso à moradia. Neste momento, é fundamental que os gestores construam estratégias de transição, a fim de evitar o agravamento da crise que poderá resultar de novas reintegrações de posse.
*Simone Buiate Brandão, arquiteta e urbanista, é conselheira do CAU/GO.
*Gabriel Ribeiro Couto, arquiteto e urbanista, é integrante da Campanha Despejo Zero.