No Brasil desde 2008, Laurent Troost, que já realizou projetos na Holanda, Espanha e Dubai, viu nos inúmeros canteiros de obras da Manaus de então a possibilidade de estabelecer o seu escritório. Diante de novos desafios e referências, o belga reuniu experiências entre projetar prédios luxuosos no exterior e edificações no interior do Amazonas, para definir seu estilo arquitetônico. Hoje é destaque internacional.
Conhecido por estratégias que integram a Arquitetura com a natureza, Laurent é o palestrante convidado da 20ª Aula Magna do CAU/GO, que ocorre na próxima quarta-feira, 29, às 19h, no Teatro PUC Campus V. Confira a entrevista:
Qual foi o motivo de você ter se mudado para o Brasil?
Na época, minha namorada era brasileira, morávamos juntos em Barcelona. Resolvemos vir para o Brasil e rolou aquela conversa de qual seria a melhor cidade para se basear. Ela tem parte da família que é de Manaus, e lembro que quando conheci o Brasil, em 2006, fiquei muito impressionado porque Manaus tinha muito canteiro de obra. Nessa época, mais ou menos, eu tinha acabado de sair de Dubai, que muito se falava ser a cidade onde tinha mais canteiro de obra por metro quadrado. E quando vi Manaus, que tinha quase a mesma quantidade e ninguém falava sobre, pensei ‘deve ter oportunidade para arquiteto, deve ter mercado’. Então quando falamos em vir para o Brasil, eu pensei: ‘ Então porque a gente não vai para Manaus mesmo?’. Foi assim.
Quais arquitetos brasileiros são suas principais referências?
O que chegava muito na Europa era o Oscar Niemeyer. Inclusive me lembro de uma exposição no início dos anos 2000, em Paris, que todo mundo queria ir ver, mas não era uma arquitetura que especificamente me interessava muito. Eu acho que tem muitos mestres, muita coisa boa que foi e ainda está sendo feita. Nesse quesito, antes que qualquer outro, eu citaria o Paulo Mendes da Rocha. Mas teve muitos outros, como o Lelé. Acho muito marcante tudo o que ele fazia na época dele. O Severiano Mário Porto realmente me impactou. Ele fazia o que o Lelé fazia, mas com um toque mais amazônico. Outro que gosto de citar é Paulo Zimbres. Como revalidei meu diploma em Brasília, tive que ir muito no prédio da Reitoria (da UnB). É um prédio que tem muito a ver com a continuidade espacial, com noções que trabalhamos na Holanda. É uma surpresa porque ele está pouco nos livros da história da arquitetura brasileira e é um prédio que, apesar de antigo, tem muita contemporaneidade, um prédio incrível, revolucionário.
O fato de você já ter atuado como arquiteto em diversos locais, muito diversos entre si – Bélgica, Holanda, Dubai, São Paulo, Manaus, entre outros – em que contribuiu para a sua forma de trabalhar?
Acho que peguei um pouco de tudo, da loucura dos holandeses, da diferença da racionalidade e expressionismo da estrutura paulista, mas um impacto principal foi trabalhar numa cidade do interior da Amazônia. Quando se vem de uma realidade onde não se tinha um limite de orçamento e você chega em um projeto que não tem quase nenhum orçamento, você percebe que tem que se atentar somente ao essencial. Essa realidade econômica me trouxe esse pé no chão e foi talvez a coisa mais difícil para mim, mas também a mais interessante, pelo fato de eu poder me reinventar. Na Prefeitura de Manaus, tive que trabalhar com o orçamento de noventa reais o metro quadrado, algo muito baixo quando comparado a projetos anteriores, em que o orçamento era de milhares de euros ou dólares.
Um destaque de seus projetos é a integração com a natureza e o uso de estratégias arquitetônicas adequadas ao clima, em busca de espaços que ofereçam conforto ambiental. Pode dar exemplos concretos de soluções de projeto, visando esses objetivos?
Há inúmeras formas de integrar o projeto com a natureza. A principal e primordial é sempre preservar as pré-existências naturais, sejam árvores ou topografia. A gente gosta de trabalhar sempre com o mínimo de impacto no terreno. Afinal de contas, para uma árvore chegar em um porte que gere uma sombra e um microclima bom, leva alguns anos. Então derrubar tudo é o caminho errado se você quer integrar a natureza com a sua obra.
Outras estratégias são criar novos pátios, ventilações cruzadas, proximidade e “condições artificiais de naturalidade”. A gente está trabalhando com a ideia de produção de trepadeiras que delimitam espaços para dar um vazio construído, que depois vai ser ocupado. Também trabalhamos com elementos que remetam à natureza, como cachoeiras artificiais dentro e fora de prédios. É interessante trazer o som da água. Além de refrescar, a água trabalha no psicológico das pessoas. Da mesma forma com o som da chuva. Às vezes tentamos amplifica-lo para dar uma sensação de proximidade e refrescância. Acho que a arquitetura pode proporcionar isso tudo e são essas e outras estratégias que estamos usando em vários de nossos projetos.
Como foi receber o Prêmio Oscar Niemeyer na 18ª Bienal Internacional de Arquitetura em Buenos Aires, por seu projeto Casarão da Inovação Cassina?
É interessante isso. Eu admiro muito o Niemeyer, mas eu sempre fui muito crítico à produção tardia do Niemeyer. Sempre era um pouco controverso nas conversas com os amigos arquitetos por aqui, porque todos têm um respeito que eu entendo perfeitamente, mas não gostavam de ouvir críticas negativas ao Niemeyer. Então, realmente o Niemeyer não é o arquiteto que mais admiro no Brasil, apesar de reconhecer seu valor. Ser o primeiro projeto brasileiro a ser premiado foi algo meio irônico.
Me senti extremamente honrado em receber o prêmio com o nome do maior arquiteto brasileiro e em trazê-lo para o Brasil e para a Amazônia, o lugar que me acolheu e me deu oportunidades. Para esse projeto específico, foi muito significativo. O prêmio foi um coroamento do que se pode fazer com o patrimônio. Acho que foi uma grande lição de que é possível fazer coisas de qualidade, mesmo com recursos escassos. Espero que o projeto tenha inspirado as pessoas e que possam existir muitos outros casarões da inovação não só em Manaus, mas em todo o Brasil.