Como diria o geógrafo Milton Santos, o espaço da cidade é testemunho da realização da história sendo a um só tempo passado, presente e futuro. Goiânia é uma cidade muito nova e, por isso, está sujeita a um processo acelerado de transformações, que provoca mudanças num passado ainda recente.
O Estádio Serra Dourada, símbolo arquitetônico modernista, completará 50 anos em 2025. Projetado por Paulo Mendes da Rocha, um ícone mundial, o edifício passará por reformas para atender a demandas para sua modernização, operação e gestão.
Negligenciado e desvalorizado, o “Serra” expressa a competência de Paulo Mendes, que com um gesto dividiu as arquibancadas nas laterais do campo, deixou as coberturas em “balanço” (sem pilares) e, atrás dos gols, propôs grandes praças no nível do chão dedicadas ao convívio.
Goiânia carrega o legado vivo de Paulo Mendes, que inclui também o Jóquei Clube (1962), a casa de Bento Odilon Moreira (1963) e o Terminal Rodoviário (1984). Este último projeto, totalmente desconfigurado, não carrega mais a memória da grande obra que já foi, mas destaca a urgência de valorizar esses símbolos importantes para a história, memória e paisagem da cidade. No caso do Serra, além do seu valor arquitetônico, há a memória dos clássicos e dos times que ali se consagraram.
Faz-se necessário, no processo desta parceria público-privada, que o governo do Estado ressalte a obrigatoriedade de preservar as características essenciais do projeto, com o objetivo de assegurar o patrimônio e a história. Inclusive levando em consideração o projeto de readequação e ampliação elaborado pelo próprio arquiteto, em 2009, em parceria com o escritório Grupo Quatro, que tinha como objetivo transformar o estádio em arena, para concorrer como um dos estádios-sede da Copa de 2014.
Com seu passado de construção recente, Goiânia é uma cidade que enfrenta dificuldades em identificar e apropriar-se desses símbolos como parte de sua história e paisagem.
No Projeto Centraliza, que propõe ações para o Centro de Goiânia, observamos mais um exemplo de um desejo de se modernizar. Sem dúvida, é necessário resgatar o convívio, estimular o aumento de comércios e serviços, atrair novos moradores e promover a acessibilidade e segurança do local. Especialmente, é crucial considerar a mobilidade por meio do transporte público e coletivo e incentivar a pedestrialização. No entanto, é igualmente necessário reconhecer que ali foi o núcleo pioneiro da cidade, com edifícios marcantes e importantes para a identidade da paisagem urbana.
Para além dos edifícios tombados, no estilo Art Déco, o Centro é palco de um conjunto arquitetônico com uma multiplicidade de linguagens e tipos, envolvendo prédios, cinemas – quase extintos -, galerias e vielas. Eventualmente, esses edifícios e casas se aproximam do Art Déco e Modernismo e, apesar de não carregarem o estilo em toda a sua estética, são representações que revelam a identidade e o cotidiano da capital em outros tempos.
Portanto, é muito bem-vinda a proposta do Centraliza. Mas é muito importante que o projeto incentive a preservação e manutenção das edificações existentes e preveja seu retrofit, reforma ou restauração, orientados por um corpo técnico especializado.
*Simone Buiate Brandão, presidente, e David Finotti, conselheiro do CAU/GO
Artigo publicado no jornal O Popular, no dia 27/03/2024.